terça-feira, 30 de outubro de 2018

Não se iluda: não temos um novo presidente cristão, muito menos evangélico

Jair Bolsonaro passou os últimos meses fazendo acenos religiosos conservadores. Empenhou-se em se dizer contra o aborto, a favor da família tradicional, contrário à ideologia de gênero (?), contra o comunismo, a favor do Estado de Israel, a favor da escola sem partido (??). Recebeu líderes, deixou-se fotografar com eles.
Há um argumento que diz não podermos avaliar as pessoas, pois julgamento somente cabe a Deus. Sim, julgamento último, veredito sem apelação, por Quem tem o direito para tal. Mas há o mandamento para avaliarmos as árvores pelos seus frutos, o ensino dos outros pelo padrão das Escrituras.
Pois bem, avaliando sua vida pública, seu discurso ao longo da campanha, não há evidências dos chamados frutos do Espírito (paz, longanimidade, bondade, mansidão, domínio próprio, amor). Sobram evidências dos frutos da carne (ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções).
Seus defensores alegam que as falas são um rompante, algo que se diz no calor do debate (?!).
Sua pauta política flerta com a defesa da vida (no caso de ser contra o aborto) com o estímulo da morte (se houver mortos inocentes no processo de recuperação do país, não há problemas); flerta com a defesa do não nascido, mas não com a defesa das minorias; flerta com a religião da maioria, mas coloca o direito à propriedade acima do direito à vida. Como articula a mensagem de Jesus com a exaltação de um torturador? com a proposta de dar o direito ao agente policial de matar em legítima defesa?
Se há uma característica, é o da língua ferina, do raciocínio raso, da bajulação para se obter poder (que será usado como se fosse o Messias - se tiver oportunidade).
Aliás, ele carrega várias características do anticristo apocaliptico.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Fwd: carta aberta às igrejas sobre o suicídio



O Serviço Assistencial Dorcas, entidade cristã de caráter humanitário, sediada em Belo Horizonte (MG), composto por profissionais de diversas áreas, após ter patrocinado em duas ocasiões debate sobre o suicídio, compartilha com as igrejas cristãs e as suas lideranças as seguintes preocupações:



1. o suicídio é um fenômeno social, não há como ignorá-lo. A Organização Mundial da Saúde estima em 800.000 mortes anuais por esta razão, sendo a 15ª causa de óbito para a população em geral. E quando se restringe o olhar para a faixa etária entre 15 e 29 anos, torna-se a segunda causa de morte. Como é um evento provavelmente subnotificado (nem todos são contabilizados, por serem ocultados em função do preconceito e vergonha) o número de pessoas atingidas deve ser maior.



2. os dados do ministério da saúde mostram que o suicídio, ou sua tentativa, não está limitado a um gênero específico (homens e mulheres são afetados), ou a uma idade determinada, ou a uma profissão específica.



3. não há nenhuma característica que, genericamente, confira proteção absoluta a uma pessoa, e pensar em autoextermínio ao menos uma vez na vida ocorre com um grande número de pessoas.



4. nas igrejas cristãs, principalmente as evangélicas, não é incomum o preconceito, o estigma contra a pessoa que tenta ou que consegue se matar. A experiência compartilhada dos membros do Serviço Assistencial Dorcas é que essas pessoas são vistas não como seres humanos normais, mas pecadoras de uma forma tão especial que são postas fora do alcance do cuidado Divino (que se materializa e se torna real através da ação de Suas filhas e filhos adotivos).



5. esta carta é para chamar a todos os cristãos, e, por que não, a todos os que professam qualquer religiosidade (seja deísta, ateísta, materialista, etc.) a:
a) estudar e se informar sobre o suicídio de modo aberto, não preconceituoso;
b) perceber que qualquer pessoa, em determinado momento de sua existência, na dependência de fatores de pressão dos quais não consegue se livrar, pode ser levada a este ato;
c) ter um olhar de misericórdia e não de condenação a estas pessoas.



6. aos cristãos em especial propomos, tendo as Sagradas Escrituras abertas frente aos nossos corações, avaliar:
a) os preconceitos que temos sobre este assunto
b) as posições teológicas aceitas como verídicas sem uma análise aprofundada
c) se não pecamos:
c.1) na nossa forma de organização como igreja
c.2) no nosso modo de nos relacionarmos uns com os outros
c.3) na preocupação excessiva com o comportamento correto do próximo no lugar da preocupação adequada e amorosa para com as dificuldades e fraquezas mútuas;
c.4) contra nossos líderes e nossos pastores
- ao idealizá-los, fazendo-os ídolos de perfeição no lugar de pessoas pecadoras e redimidas que também estão em busca permanente de santificação
- ao sobrecarregá-los de tarefas e trabalhos que outros podem assumir;
- ao não respeitar seus dias semanais de descanso e seus períodos de férias regulares;
- ao não lhes proporcionar apoio psicoterápico especializado quando necessário
- ao não lhes proporcionar ombro amigo e discreto através de um ambiente de comunhão confiante onde eles possam ser eles mesmos e se exporem sem receio de críticas ou de perda de emprego ou status.



7. O Serviço Assistencial Dorcas, com o intuito de buscar uma melhor saúde coletiva, entende ser imprescindível:
a) a criação de espaços de discussão sobre o tema, a fim de quebrar mitos e reforçar verdades deste fenômeno tão presente na atualidade.
b) compreender as atitudes a serem tomadas ao encontrar pessoas nessa situação de risco
c) ao detectar risco de suicídio garantir o suporte pastoral e profissional (psicólogos e psiquiatras) - este último através da Rede de Atenção do Sistema Único de Saúde.
d) garantir suporte à família de pessoas que tentaram e/ou consumaram o autoextermínio, com o intuito de aliviar o sofrimento, que pode perdurar por anos se não tratado adequadamente



Belo Horizonte, 10 de junho de 2.018

publicado em http://sadorcas.blogspot.com/2018/06/carta-aberta-do-servico-assistencial_11.html

terça-feira, 20 de março de 2018

Fwd: [Bioética e Fé Cristã] Combate à violência contra crianças e adolescentes: desafio para a sociedade brasileira


A ideia de infância vem variando ao longo dos séculos e entre culturas. Con-
forme Narodowski, a infância é fenômeno histórico e não meramente natural, e, no Ocidente, suas características precípuas podem ser classificadas como heteronomia, dependência e obediência ao adulto em troca de proteção. Essa perspectiva vai ao encontro da proposição de Philippe Ariès, para quem é preciso aceitar que a infância, tal qual é entendida hoje, resulta inexistente antes do século XVI.
A afirmação de Ariès permite compreender que, no decurso da história e, inclu-
sive, na pré-história, a ideia de criança ou a concepção de infância não existia. Mesmo que não haja provas, considerando que não há registros pictóricos ou artefatos que o comprovem, atribui-se essa situação à elevada mortalidade infantil. Condições de vida extremamente rigorosas para todos – adultos e crianças – eram também a provável causa de a expectativa de vida ser de apenas 20 ou 30 anos, conforme estudos de fósseis humanos de caçadores-coletores que viveram há milhares de anos.

texto completo em http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/download/1816/1783


Postado no Bioética e Fé Cristã em 3/20/2018

quinta-feira, 1 de março de 2018

Billy Graham estava do lado errado da história

Por Matthew Avery Sutton
 
Quando Billy Graham estiver de pé diante do tribunal de Deus, ele poderá finalmente perceber o quanto falhou com seu país, e talvez com seu Deus. Em relação aos direitos civis e à crise ambiental, as questões mais importantes do seu tempo, ele defendeu as políticas erradas.
 
Graham estava do lado errado da história.
 
O evangelista mais famoso do mundo deixou sua expectativa apocalíptica de um reino de Deus futuro cegá-lo para as realidades da vida neste mundo.
 
Para Graham, a Bíblia tinha uma mensagem clara para os cristãos que viviam no que ele acreditava serem os últimos dias da humanidade na Terra. Apenas indivíduos podem alcançar a salvação; os governos não. Conversões mudam comportamentos; políticas públicas não.
 
Essas convicções moldaram os pontos de vista do evangelista sobre os direitos civis.
 
No final da década de 1950, Graham dessegregou suas reuniões de avivamento e parecia apoiar o crescente movimento pelos direitos civis. Este é o Graham que a maioria dos americanos se lembra.
 
Mas à medida que o movimento crescia, se expandia e se tornava cada vez mais conflituoso, a posição do evangelista mudou.
 
Uma vez que líderes como Martin Luther King, Jr. começaram a praticar a desobediência civil e a pedir que o governo federal garantisse os direitos dos afro-americanos, o apoio de Graham evaporou.
 
Poucos dias após a publicação da famosa Carta da Prisão de Birmingham em 1963, Graham disse a jornalistas que o ministro batista deveria "puxar os freios um pouquinho".
 
Ele criticou os ativistas dos direitos civis por se concentrarem em mudar as leis ao invés dos corações.
 
Em 1971, Graham publicou Jesus e a Geração Jovem [Casa Publicadora Batista, 1973], um livro sobre o apocalipse vindouro. Procurar pelos sinais da segunda vinda de Jesus se tornou uma obsessão de Graham, como foi para milhões de outros evangélicos em meados do século vinte.
 
No livro, Graham elogiou a sabedoria dos jovens que rejeitavam o governo como ferramenta para corrigir as injustiças.
 
Graham teve a oportunidade de liderar os fundamentalistas num novo momento, mas desperdiçou-a.
 
"Esses jovens não apostam suas fichas nos velhos slogans do New Deal, do Fair Deal, da New Frontier e da Great Society", disse ele. "Eles acreditam que a utopia só chegará quando Jesus retornar. Assim, esses jovens estão em um terreno bíblico sólido ".
 
Durante seis décadas, Graham ensinou aos americanos que o governo não poderia ser um instrumento de Deus para promover justiça, nem em questões raciais e nem em outras questões importantes. Embora ele acreditasse na igualdade racial, sua teologia o cegou ao que agora sabemos é o melhor meio para alcançar essa igualdade.
 
Mais recentemente, o evangelista negou a ameaça do aquecimento global e rejeitou os esforços governamentais para mitigá-lo.
 
Em um livro de 1992 focado nos sinais de que o mundo estava chegando ao fim, o pregador sugeriu que, se a humanidade quisesse sobreviver, as empresas precisavam reduzir a poluição e deixar de contribuir para o aquecimento global.
Em 2010, numa versão revisada do livro, Graham eliminou completamente a expressão "aquecimento global" do texto. O aquecimento global já não existia na mente de Graham como uma ameaça real.
 
Ele continuou a assegurar aos leitores de que a Terra não seria "salva através de legislação". Não era da conta do governo, indicou, promover leis para proteger a terra para as gerações futuras.
 
As posições de Graham sobre os direitos civis e o meio ambiente não são as de um extremista de direita, ou de um anti-intelectual paranóico. Graham leva sua bíblia e sua teologia a sério. As posições políticas que ele abraçou derivam de um estudo cuidadoso e sério das escrituras.
 
Graham cresceu durante o tempo de Franklin Roosevelt, em que houve vasta expansão do poder governamental. Mas ao invés de se juntar aos defensores do evangelho social, como o assessor de Roosevelt, Harry Hopkins, promovendo a criação de um estado de bem-estar social para atender os necessitados, o futuro evangelista foi mais influenciado pelos agitadores fundamentalistas obcecados no apocalipse que rejeitaram o liberalismo do New Deal.
 
Graham, como a maioria dos fundamentalistas de sua geração, determinou que o estado do New Deal representava uma competição ateia em relação às igrejas e não um aliado em potencial.
 
Esta é a mensagem que apareceu repetidas vezes nos vários livros de Graham sobre a segunda vinda de Jesus. Somente o retorno de Jesus corrigiria os problemas sociais, concluiu.
 
A expansão do poder estatal, em contraste, era um precursor necessário para o surgimento do anticristo. O evangelista tinha certeza de que, ao se aproximar o fim dos tempos, os governos do mundo iriam tirar os direitos e liberdades dos cristãos.
 
O New Deal, com seus regulamentos intrusivos, era o primeiro passo; o Obamacare, com suas prescrições anticoncepcionais, o mais recente.
No entanto, Graham insistia que a inevitabilidade da segunda vinda não era justificativa para a indiferença. "Não devemos achar que devemos nos sentar e não fazer nada para lutar contra o mal apenas porque algum dia os quatro cavaleiros virão com força total e definitiva sobre a Terra", escreveu Graham. Em vez disso, ele estimulou os evangélicos a elegerem pessoas que compartilhavam sua visão de mundo antiestatista.
 
E foi o que eles fizeram. Os evangélicos brancos desempenharam um papel extraordinário em campanhas políticas recentes, apoiando cada candidato presidencial republicano, de Ronald Reagan a Donald Trump.
 
Graham teve a oportunidade de levar os fundamentalistas a um novo momento. Ele poderia ter pressionado a levarem a sério a reforma social como um mandato de Deus para salvar o mundo da destruição ambiental. Ele poderia ter abordado o racismo, o pecado original dos Estados Unidos, defendendo políticas de direitos civis agressivas por parte do governo.
 
Mas desperdiçou essa oportunidade. Ele não conseguiu superar os esquemas especulativos do fim dos tempos de seu séquito de evangélicos, com suas hostilidades anti-governamentais.
 
Graham tinha boas intenções, como seu trabalho de dessegregar suas cruzadas demonstrou. Mas quando sua influência realmente teria contado, quando ele poderia ter efetuado mudanças reais, uma transformação social real, ele estava muito encerrado no medo exagerado dos últimos dias para reconhecer o potencial do estado de fazer o bem. Estamos todos pagando o preço.
 
Um novo tipo de fim dos tempos pode estar se aproximando de nós. As tensões raciais estão aumentando, a terra está aquecendo, e os evangélicos estão fazendo pouco para ajudar. Esse pode ser o legado mais significativo e mais triste de Graham.
 
Matthew Avery Sutton é pesquisador da Fundação Guggenheim e autor de American Apocalypse: A History of Modern Evangelicalism. Ele é professor de História na Universidade Estadual de Washington.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Jesus e a «apóstola» divorciada

Frederico Lourenço

Como sabem as pessoas que leem atentamente os quatro Evangelhos, as afirmações de Jesus sobre o divórcio não são exactamente coincidentes nos quatro textos fundacionais do cristianismo. Nos Evangelhos de Marcos e de Lucas, Jesus condena, sem contemporizações, o divórcio. No Evangelho de Mateus, admite-o em caso de «porneia» (à letra «prostituição», pelo que se entende, à luz da mentalidade judaica do século I, a infidelidade da mulher ao marido). No Evangelho de João, não condena de todo o divórcio, porque é um tema que nunca lhe aflora na boca nesse mais extraordinário e divino de todos os textos do Novo Testamento.
É só no Evangelho de João que Jesus perdoa a mulher adúltera (com todas as dúvidas que esse episódio levanta no que toca à sua história textual, mas sobre isso remeto para as notas respectivas no Volume I da minha tradução). E é no Evangelho de João que acontece uma coisa extraordinária: Jesus senta-se a falar com uma mulher (já de si algo de incrível, atendendo ao mundo judaico em que ele vivia); que é samaritana (portanto membro da «raça rafeira e apóstata» odiada pelos judeus); e cinco vezes divorciada.
Jesus pede de beber a essa mulher, a essa samaritana inúmeras vezes impura. E diz à mesma mulher que, se ela lhe tivesse pedido a água gorgolejante da vida eterna, ele lha teria dado.
Depois diz-lhe: «Vai, chama o teu marido e volta cá», na plena consciência de que o «marido» da mulher é um homem com quem ela nem sequer é casada: é já o sexto homem da vida dela. Mas Jesus chama-o; Jesus aceita-o; e depreendemos pelo texto que Jesus estaria disposto a dar, também a ele, a mesma água da vida eterna.
A mulher samaritana, deslumbrada com Jesus, vai anunciá-lo aos samaritanos; e por isso, o grande especialista do Novo Testamento da Universidade de Yale, Paul N. Anderson, chama a esta figura a «apóstola» dos samaritanos («The Riddles of the Fourth Gospel», 2011, p. 16).
Na igreja católica, pessoas divorciadas e recasadas não podem receber a Eucaristia, a não ser que abdiquem de viver como marido e mulher. No entanto, à mulher cinco vezes divorciada e a viver com um sexto homem com quem não era casada, Jesus ofereceu a água da vida eterna. E mandou-a ir buscar o homem com quem ela não era casada, a quem (graças ao jogo de palavras no texto grego) Jesus teve a elegância, a compreensão e o amor de chamar marido dela.